Há vinte anos o professor Darcy Ribeiro nos deixou, após uma longa doença que não o impediu de terminar seu livro “O Povo Brasileiro”, um entre os demais que escreveu procurando entender e tornar claras suas idéias a respeito da gente desta terra a qual dedicou o melhor da sua vida. Uma vida que, sem dúvida, o tornou um dos maiores e mais importantes brasileiros que já viveram entre nós.
Claro que semeou antagonismos, mas que se esfumaçam em contraste com o brilho das suas ações, em especial a respeito da importância da educação e do seu trabalho em relação às comunidades indígenas. Idéias e conceitos que permanecem válidas, ainda que mal aproveitadas ou desperdiçadas ao correr dos anos. Ele se foi… Mas muito do que construiu e mesmo do que pensou se mantém atual.
Uma crônica publicada no Editorial do Jornal “Folha de São Paulo”, Página A2, em “Opiniões” de autoria de Bernardo Mello Franco, no domingo 19 de fevereiro em curso, merece ser transcrita, por sintetizar de maneira magistral (e de forma muito melhor) o que gostaria eu próprio de dizer a seu respeito. Assim achei justo divulgá-la mais, complementando-a com um assunto pessoal que creio ser válido por demonstrar não só a grandeza do cientista, do político ou do educador que foi o Prof. Darcy Ribeiro, mas também por delinear a fineza da pessoa, do ser humano que ele realmente era.
Fui aluno do Professor Darcy Ribeiro em 1959, quando no primeiro ano do Curso de História da Faculdade Nacional de Filosofia, numa das matérias de Introdução a estudos específicos (no caso, à Antropologia) e cheguei mesmo a dizer-lhe do meu interesse pela arqueologia. Tanto ele quanto seu assistente, o Prof. Carlos Moreira me aconselharam a estudar o “Índio vivo”, enquanto ainda existia, mas sina é sina, destino é destino, vontade é vontade e não desisti do meu propósito.
No final dos anos cinqüenta já se discutiam as novas tendências teóricas (algumas nem tão novas assim, afinal), pois até já criticávamos o Histórico Culturalismo, pensávamos no Funcionalismo e se discutia o “Revolucionismo” de Gordon Childe (de quem ambos os professores demonstravam apreciar). Esta é uma das razões que até hoje me angustia quando jovens colegas acusam os “velhos” da arqueologia de serem somente “Evolucionistas”.
Aliás, um parêntese: Na mesma época a Profa. Maria Yeda Linhares e seus assistentes discutiam a “Nova História” e líamos as idéias da escola dos “Annales”. E já se sentia, também, a crescente influência das perspectivas estruturalistas na História Social. E, ao mesmo tempo, emergíamos na história fatual de um lado e na corrente jurídica medievalista de outro. Ou seja, andávamos de “Herodes” para “Pilatos” a cada dia, o que – afinal – hoje parece ter sido muito bom….
Na época também fazendo parte da Comissão de Redação do Boletim de História dos Alunos da FaNaFi-UB, publiquei meu primeiro trabalho versando sobre os “Polidores Líticos de Cabo Frio”.
Pois foi então que assistindo televisão soube da vinda da Dra. Annette Emperaire ao Paraná para um curso de Arqueologia naquela Universidade Federal. Consegui falar ao telefone com o hoje veterano repórter Léo Batista que de forma muito amiga me deu o número da UFPr. E fui atendido pelo próprio Dr. José Loureiro Fernandes, então Diretor do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas que me garantiu a vaga, mas que recomendou ter cartas de apresentação de dois professores para ter direito a Bolsa da CAPES. É que o curso durava três meses seguidos (manhã, tarde, noite e até madrugada!). Aulas em Curitiba; no Museu de Paranaguá; em Antonina (Sambaqui do Toral), na Ilha dos Rosas (sambaqui antigo) e em Manoel Ribas (Caverna do Wobeto).
Nessa altura, 1962, o Professor Darcy Ribeiro já era Reitor da Universidade de Brasília a quem o Prof. Carlos Moreira, que eu procurara para me dar uma das tais cartas, me recomendou recorrer. Fiquei na dúvida, pois será que ele se recordaria quem eu era, afinal? Quase três anos depois?
Mas como o “não” eu já tinha me aventurei e mandei-lhe a carta explicando a importância de fazer o curso. Em seguida recebi comunicação da UFPr que a bolsa me havia sido concedida.
Viajei para o Paraná e ao sair do elevador no frio prédio universitário em Curitiba encontrei um senhor a quem perguntei onde ficava o CEPA. Antes de responder ele me perguntou quem eu era e qual não foi minha surpresa quando, ao dizer meu nome, ele me saldou com um: “O protegido do Darcy!” e me deu um afetuoso abraço. Eu me dirigira justamente ao Dr. José Loureiro Fernandes, que estava esperando o elevador do qual eu saltara.
Anos depois meu colega Igor Chmyz, então diretor do CEPA, me mandaria uma fotocópia da carta do Prof. Darcy. Afinal ele não só lembrava quem eu era como deu importância ao meu pedido e arranjara tempo entre suas inúmeras obrigações de Reitor para remeter a carta de apresentação ao Dr. Loureiro, que divulgo abaixo.
Depois, através da Dra. Betty Meggers eu viria a travar amizade e a colaborar com a ex-esposa do Prof.Darcy, a Dra Berta Ribeiro, inclusive na edição da nunca publicada “Summa Arqueológica Brasileira” que completaria sua Summa Etnológica.
Só bem mais tarde quando o Prof Darcy pode retornar do exílio e nos tornamos mais próximos como colegas no IFCS-UFRJ eu pude agradecer-lhe pessoalmente. Afinal, se fiz algo de bom ou meritório para a pesquisa arqueológica em nosso país, sem dúvida, muito devo à confiança que aquele grande brasileiro depositou no meu futuro.