“Se o muro que me impede de avançar é o racismo, vou derrubar com minha consciência negra.”
(Eli Odara Theodoro)
Novembro. Mês em cujo início reverenciamos os que nos deixaram fisicamente, mas que permanecem vivos em nossos corações…Mês que carrega em seu simbolismo astrológico o signo da profunda transformação e, em razão de a data ser atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, ou por confluências ainda mais misteriosas, também acolhe a data que marca a luta de pessoas que foram – e são – tratadas de forma “especial” por terem a pele preta e que já não, graças a tantos que um dia se rebelaram ao estereótipo, aceitam passivamente o tratamento desigual, numa vigorosa batalha de transformação da percepção da desigualdade na sociedade.
Novembro: Mês da Consciência Negra.
Reconhecendo movimentos que lutam pela igualdade racial o Instituto de Arqueologia Brasileira-IAB, com o apoio da Caixa Cultural, promoveu no dia 14 de novembro o evento “Heranças africanas dão cor, som e sabor ao Brasil”.
Todo os seus espaços foram destinados à valorização de legados de um povo que, apesar de pisar este chão em condições absolutamente desumanas, conseguiu extrair o melhor de si, ora pela mais profunda tristeza rogando aos seus deuses misericórdia, ora por momentos de puro êxtase, contribuindo com sua cultura e salpicando de espiritualidade e de alegria a formação do Povo Brasileiro.
Assim, entre apresentações de cantos e danças, um jogo tradicionalmente africano, teatro discutindo a questão da discriminação racial, roda de conversa sobre todo tipo de intolerância, alimentos e ervas até hoje consumidos por herança africana, homenagem a uma mulher negra da cidade de Belford Roxo e sua linda Oficina de Amarração de Panos, finalizando com a entrega de certificados do recente curso Série Arqueologia, o IAB celebrou, com o extraordinário apoio das instituições educacionais do bairro, o Dia da Consciência Negra que, ainda valendo-se do evento, fez a avaliação trimestral do aproveitamento dos pesquisadores curumins e seus graus de desenvolvimento sob os vários aspectos do projeto no qual são protagonistas.
A abertura do evento foi lindamente oferecida pelos pequenos da Creche Municipal Santa Tereza. Sua Diretora, Patrícia Cândido e a eterna Diretora Tia Nazário ensinaram a música e confeccionaram roupas típicas para as crianças promovendo assim, na base da educação, a valorização da diversidade racial e cultural do nosso Povo.
Observar o compromisso de fazer o melhor e a seriedade com que as pequenas e pequenos apresentaram uma versão em português da música USA for África foi momento mágico!
Vendo-as dançarem a Ciranda da Lia de Itamaracá com suas roupas coloridas percebe-se que nada poderia representar melhor o “remelexo” da desconstrução de uma postura equivocada por parte da nossa sociedade.
A Oficina Cabelo de Lelê, também proposta e realizada pelas suas dirigentes, buscou, de forma efetiva, valorizar o cabelo onde o DNA africano é mais evidenciado. A ideia foi rejeitar de forma digna a opressão da cultura do alisamento dos cabelos afrodescendentes. A doçura da Diretora Patrícia Cândido promovendo a aceitação entre suas crianças foi emocionante e demonstra que ela não apenas inclui mas celebra, de fato, a diversidade!
Isabel de Oyá, Presidenta do Ponto de Cultura Beleza Negra, de Belford Roxo enriqueceu sobremaneira o evento com a Oficina de Amarração de Panos, ensinando para todos como transformar simples pedaços de pano em lindos vestidos, blusas e demais indumentárias que se fizerem necessárias para qualquer pessoa cobrir-se de forma prática, alegre e como boa afrodescendente que é, muito colorida!
O Colégio Estadual Santa Tereza foi representado por, além do Professor Samuel Cândido Alves que veio participar da Roda de Conversa sobre Intolerância, um grupo de seus alunos que, na esteira da reflexão sobre essa questão, encenou situações do cotidiano preconceituoso vivenciado por afrodescendentes. Situações tão banalizadas que se torna necessário alertar e questionar. Foram atos curtos, mas contundentes, que levaram imediatamente muitos a refletir sobre essas ações que, se no começo, quando diante de atitudes de discriminação trazidas pela peça brotaram gargalhadas em alguns, no final a mensagem “cuidado como vocês tratam os seus colegas; lembrem-se que isso magoa ” impactou a todos, levando o público a alguns segundos de silêncio. Puro talento da garotada antenada! Parabéns a todos em especial aos seus docentes que os levaram a tão imperativa reflexão.
O jogo “kalah” conhecido no Ocidente como Mancala (que é um conjunto de jogos) é tradicionalmente jogado em países como a Etiópia e a Nigéria e foi trazido pelo amigo do IAB Alex Oliveira como mais uma contribuição da cultura africana. A sorte nele não tem espaço. Exige raciocínio lógico e rápido para ganhar. Os estudantes adoraram!
“Gostei do jogo pela dificuldade. Eu gosto de coisa difícil!”, diz Cléber Lucas, 13 anos.
Miqueias, 12 anos diz que gostou do jogo “porque ajuda a mexer com o raciocínio!”.
“É um jogo que estimula o raciocínio lógico e eu sou bom em matemática”, diz Eric, 12 anos.
Miguel 12, gostou porque “mexe com o psicológico, é legal; mexe com a cabeça mesmo!”.
A Oficina Mini Sítio tem por objetivo demonstrar desde à base que, além das atuais populações que transitam sobre os locais, aquele já foi habitado antes por outros povos e desta forma são estimulados a procurarem os vestígios delas. Há momentos em que a concentração é absoluta. O que será que passa por essas cabecinhas…
A Creche Municipal Recanto Feliz trouxe vários aspectos da herança africana. Um delicioso guisado de frango com curry (tempero muito utilizado na África) e gengibre com um sabor bastante especial, que a Professora Kátia Junqueira aprendeu com a sua avó. A banana (aqui a da terra,) que embora tenha sua origem no Sudeste Asiático chegou até a África (Madagascar) e, com o tráfico de escravos, chegou ao Brasil. Há mais tempo já cultivada e utilizada em sua dieta os africanos a valorizavam muito.
A creche trouxe também uma exposição de colares africanos e as roupas coloridas, indumentárias com as quais também foram vestidas algumas das suas crianças, gosto especial das africanas e das nossas afro-brasileiras que trazem cores vibrantes ao nosso país, contagiando alegremente a todas e todos nós. Trouxe à baila a Lenda da Galinha d”Angola, sempre usada para exemplos de transformação aos seus pequenos e a importância que as máscaras têm para o povo africano. Parabéns pelo grau de abrangência de representação trazido pela Diretora Márcia Marcelino Rosa e às Professoras Paula Carvalho, Kátia Junqueira e Michele Oliveira. O IAB agradece o empenho na colaboração, trazendo tão importantes manifestações culturais.
“Contribuições Materiais e Imateriais dos Africanos no Brasil”, oficina apresentada pelo IAB, buscou demonstrar sua tecnologia em ferro, sua cerâmica já miscigenada com a do indígena e com a do europeu; a religião com sua diversidade de orixás e modos de comunicação com esses seus deuses; sua música… “Destacamos aqui as imensas contribuições que vieram para o nosso país em função da maior migração forçada da História, lembrando que o Brasil foi uma das áreas mais importantes desse processo, que é um nome bonito para falar de escravidão né?” ( Prof. Ondemar Dias).
Em tempos aonde, entre outros espaços, as redes sociais transformaram-se numa verdadeira arena na qual ideias opostas quanto à aceitação ou não da diversidade cultural ou sexual se chocam promovendo verdadeiras batalhas épicas, ou onde alguns esperam apenas ser respeitados em suas escolhas, o Instituto de Arqueologia Brasileira abriu espaço para um Roda de Conversa sobre Intolerância.
O Professor de Religião do Colégio Estadual Santa Tereza, Samuel Cândido Alves, convidado especial para este debate, o Professor Ondemar Dias, a educadora patrimonial do IAB Jandira Neto e o Professor Gênesis Torres, Diretor-Social do IAB, mediaram a conversa na qual participaram as mães dos alunos presentes no evento, estudantes do Colégio Estadual e demais. Um momento especial observado foi quando, ao passar uma peneira de palha com dois pães e dois crucifixos católicos, pode-se perceber um certo horror de alguns presentes negando-se a tocar nos produtos e nos objetos por os confundirem com “coisa do maligno”.
Sendo muito simplista, já que esse fenômeno de rejeição sem a devida análise ou atenção, que cresce exponencialmente e é um dentre os temas que mais a Academia se debruça na atualidade, pode-se observar que, muitos de nós estamos sendo conduzidos por um processo de enrijecimento de posturas que nos está impossibilitando de colocar em prática nossa capacidade reflexiva. E talvez seja o caso de perguntarmos, parafraseando a Professora de Filosofia Márcia Tiburi, por exemplo, “como nos tornamos quem somos? O que estamos fazendo uns com os outros? Como viver juntos?”
Por isso, consideramos essa “Roda de Conversa” um pequenino primeiro passo numa jornada de reflexões que podem jogar luz sobre essas três questões e, portanto, ansiamos por mais oportunidades como esta, num esforço de continuar transigindo de forma a respeitar o arbítrio de cada um em suas peculiaridades e nos limites que garantam o bem-estar de todos.
Diretora-Presidenta da Associação Cultural e Recreativa Afoxé Raízes Africanas e reconhecida como ativista em favor das políticas afirmativas na Herança Africana, entre outras ações, a Senhora, nascida Maria Isabel Vitorino, conhecida como Isabel de Oyá, cidadã de Belford Roxo, participa, sempre que solicitada contribuindo gentil e generosamente nos eventos promovidos pelo IAB. Portanto, não havendo data mais oportuna, o Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) concedeu o “Diploma de Sócia-Honorária a Maria Isabel Vitorino com fundamento no artigo 9º, inciso V, de seu estatuto, por serviços de notoriedade científica, nacional ou estrangeira, prestados”.
E num gesto simbólico também lhe foi ofertada uma panelinha de cerâmica com o símbolo do IAB, que remete ao tipo encontrado em sítios históricos, representativo da produção do encontro dos africanos com os índios brasileiros.
“Sinto-me profundamente honrada com a homenagem e agradeço o reconhecimento do IAB à nossa luta em favor de tudo de bom que a África nos trouxe.” (Isabel de Oyá).
Somos nós que agradecemos a sempre tão solícita parceria!
Assim, com a entrega dos Certificados aos alunos do Minicurso Série Arqueologia e a doação de uma cerâmica arqueológica panamenha, oferecida pelo aluno José Lucas Otero, ao qual agradece, o IAB encerrou mais um Programa de Educação Patrimonial e espera encontrá-lo (e a todos) novamente em outros cursos e em outros eventos.
O Instituto de Arqueologia Brasileira agradece a imensurável gentileza das contribuições de todos.
Agradece às instituições educacionais que abrilhantaram de maneira espetacular mais um encontro promovido pelo IAB para sua Comunidade, com o aporte da Caixa Cultural.
Agradece a todos que estiveram presentes e também aos que gostariam te ter estado mas que, por motivos de força maior, não puderam comparecer.
Agradece mais uma vez a sua equipe que, como sempre, se empenha para oferecer aos seus convidados o melhor de cada um.
Texto: Antonia Neto
Fotos e vídeos: Diego Lacerda, Antonia Neto e Gabriela Sanders
Diretor-Presidente: Ondemar Dias
Coordenação: William Cruz
Coordenação Geral: Jandira Neto
Equipe: Diego Lacerda, Cida Gomes, Soledade Neto, Antonia Neto, Marilda Souza, Sérgio Serva, Geovane Dionízio, Alessandro Silva, Anselmo Cassimiro, Marcos de Souza, Gabriela Sanders (amiga do IAB), as jovens e os jovens do Projeto Pesquisador Curumim: Marcele Ferreira, Pâmella Coutinho, Júlia Araújo, Sanderson Coutinho, Rodrigo Oliveira, Daniel Lima, Marcos Bighi e Luciano França.
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