IAB celebra o Dia da Cultura Indígena

Na cidade de Pátzcuaro, México, em abril de 1940, foi realizado o I Congresso Indigenista Interamericano para discutir políticas que zelassem pelos direitos dos povos indígenas na América. Ali foi aprovada uma declaração de princípios então adotada como política oficial nos governos dos países signatários.

Em 19 de abril, os índios, que até então não estavam dispostos a participarem do Congresso por sentirem-se constantemente desrespeitados, repensaram e decidiram envolver-se na discussão. A data desta decisão foi tão importante que levou Getúlio Vargas, então atual presidente do Brasil, a decretar, através do decreto-lei 5540 de 1943, que em todo “19 de abril” seria comemorado o Dia do Índio no Brasil.

São muitos os autores brasileiros, indigenistas ou não, que discutiram e ainda discutem a questão indígena no Brasil. Lembramos aqui dois dos nossos maiores brasileiros, apaixonados por esses povos: o escritor e político José de Alencar e o antropólogo Darcy Ribeiro.

De José de Alencar a encantadora trilogia indigenista: “O Guarani”  – de 1857 – fala sobre o amor do índio Peri com a mulher branca Ceci. Em “Iracema” – de 1865 –  cria a epopeia sobre a origem do Ceará tendo como personagem principal a índia Iracema, a “virgem dos lábios de mel” e por fim, “Ubirajara” – de 1874 – traz Ubirajara, valente guerreiro indígena que durante a história cresce em direção à maturidade. 

Darcy Ribeiro dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Trabalhou com o Marechal Rondon no Serviço de Proteção aos Índios. Neste período fundou o Museu do Índio e ajudou a criar o Parque Indígena do Xingu. Publicou, em 1970, o clássico “Os índios e a civilização” que impressiona pela enorme abrangência histórico-antropológica e geográfica de seus temas.

Desse esforço, lentamente, ressurgiram vigorosas resistências nestes povos pelo reconhecimento de seus valores, seus costumes, suas terras. E a data oficial de celebração de suas tradições insiste em ser uma dessas memórias obstinadas.

Apesar de serem os primeiros povos a habitarem o território brasileiro, a luta das tribos que sobrevivem aos avanços das diversas interferências em seus habitats é bastante árdua. Lamentamos que, não obstante ser anualmente celebrado o “Dia do Índio”, este fato não diminua a avidez dos que promovem sistematicamente a sua extinção, potencializando ações que, historicamente, continuam se reproduzindo.

Mulher Canela Ramkokamekrá colocando massa de mandioca brava sobre folhas de bananeira. Foto: William Crocker, 1964. Ikpeng da aldeia Pavuru, no Parque Indígena do Xingu. Foto: Eduardo Biral, 1987. Festa Avati Kyry - Batismo do milho entre os Kaiowa na aldeia Takwapiry. Foto: Rubem T. de Almeida, 1978.

E nos intervalos das batalhas, na infinita guerra para preservação de seus legados, ocorrem as comemorações nesta data; muitas vezes mais como um protesto que exatamente como uma celebração. No entanto, festividades em geral são realizadas nas aldeias e até mesmo na sede dos municípios onde as mesmas estão localizadas. Também tradicionalmente escolas e instituições diversas promovem atividades que destacam a importância dessas populações e suas incontáveis contribuições para a atual sociedade. 

O Instituto de Arqueologia Brasileira-IAB, como responsável por inúmeras pesquisas de resgate desta herança ancestral, também contribui, em diversas ocasiões, para o avivamento dessa memória e de suas tradições convidando estudantes e outros públicos a participarem de suas práticas de educação patrimonial para a promoção destes importantes valores e demais elementos na formação genética e cultural do Povo Brasileiro.

Foi assim no dia 20 de abril.

Neste ano o IAB promoveu as celebrações tendo como foco principal estudantes do CIEP 217 (vizinho ao Instituto) que, como de praxe, chegaram entusiasmados para o evento com cerca de 80% deles participando pela primeira vez de atividades socioculturais no IAB.

Foi convidado o indígena Doethyró, (Carlos Doethyró Tukano), presidente da Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM) no Rio de Janeiro, oriundo da tribo Tukano que se estabelece próxima à fronteira do Brasil com a Colômbia, buscando favorecer uma singela aproximação com os estudantes e demais presentes, estreitando os abismos entre ambas as sociedades e criando pontes de importantes contato com uma, simultaneamente bela e triste, realidade: a de sua existência e a dos perigos de extinção que rondam suas tradições. Carrega em seu bojo ambas as bagagens.

Logo na chegada olhares curiosos para um certo “índio de verdade” que os receberam perguntando se alguém queria se pintar como índio. Siiiiiimmm! Foi o coro. Levemente caracterizados eram chamados a conhecer, por meio de fotos, como vive a criança da floresta. Belíssimo trabalho de apaixonados fotógrafos que registraram o cotidiano dos curumins em seu habitat. As dezenas de olhinhos acompanhavam atentos à medida que o monitor explicava cada momento da vida daqueles meninos e meninas no seio da sociedade em que vivem nesta fase da vida.

Quando lhes foi questionado sobre a alimentação eles responderam munidos de “plena certeza e sabedoria”: “ursos! Eles comem ursos!“

Foram então conduzidos à Oficina “Quarto e Cozinha do índio” reforçando a atenção dispensada às fotos na sala de vídeos; a partir daí, e instigada sua curiosidade surgiram as indagações: “e os brinquedos dos índios? E as roupas? Eles têm televisão? E celular, tem? Eles vão para a escola?

Vamos lá! No Brasil não existem ursos nas florestas. Nas aldeias eles comem basicamente peixes, depois jacarés, tatus, pássaros e outros animais, além de frutas, milho, batata-doce e farinha de mandioca espremida e torrada, explica o monitor. Aaahhhh! Exclamam os pequenos. E tomam banho no rio todos os dias, bem cedinho. Até os índios mais pequenininhos. Faça chuva, faça frio ou faça sol. “No rio?” Sim. “Não tem chuveiro?” Não. Aaaahhh! Exclamam, mais uma vez, os pequenos. Talvez entusiasmados com suas memórias indígenas de um delicioso banho de rio; talvez preocupados com o desconforto de uma água fria no inverno…, mas não nos preocupemos. Lembremos aqui uma justificativa para a naturalização da ideia do banho frio no inverno, no rio. Reza a lenda que, Francisco Pizarro, conquistador e explorador espanhol que entrou para a história como “o conquistador do Peru” numa de suas viagens pelos Andes, enquanto todo o grupo tiritava de frio, mesmo seus membros estando bastante agasalhados, um nativo, cuja única proteção era um leve xale, foi questionado sobre sua resistência e ele teria retrucado: “você sente frio na cara? Então! Índio é todo cara!” 

Portanto, tranquilizemo-nos.

A exposição “O Índio de Ontem e de Hoje” continuou contribuindo para o reavivamento dessas memórias quando expôs os artefatos produzidos pela sua cultura. A representação em arte na madeira, concebida pelos mesmos, dos animais com os quais convivem e que seriam seus “brinquedos”; suas armas de caça, seus símbolos de proteção contra os maus espíritos; seus colares, brincos e cocares de alto poder de representação onde, talvez, uma única pena colorida a mais possa significar uma história de vida inteira; sua arte em cestaria e cerâmica que viajou por milhares de anos e ainda hoje essa herança nos presenteia com belíssimas peças distribuídas em inúmeras lojas por todo o Brasil.

   

Mas voltemos ao “índio de verdade”…

Ele contou para as crianças como seu povo sobrevive aos perigos da floresta. Porque os idosos da sua gente são profundamente respeitados. As lendas que explicariam o arco-íris e as cachoeiras e porque alguns pássaros são como são; porquê seu povo não usa dinheiro na aldeia e ainda quando e porque vestem roupas do “homem branco”.

Depois de revelar interessantes recursos de sobrevivência – como, por exemplo, quando sua mãe o protegia da jararaca esfregando o rabo da cobra entre os dedos dos seus pés levando-a a acreditar ser ela própria abandonando assim a ideia de picá-lo – permeados de diversos exemplos éticos e morais foram, os nossos entusiasmados convidados, munidos de maracas e ao som da música “Beber água no bambu e celebrar a alegria” na língua Tukana dançar e comemorar o “Dia do Índio” com um índio!

Era hora de saber que esses povos de tamanha grandiosidade em sabedoria, força, resistência, dotados de extraordinários valores éticos e morais e imensa capacidade de sobrevivência em ambientes hostis, eles, eram nossos parentes! Sim! Que muito além das nossas tataravós e tataravôs temos os “cacaravós” indígenas e que há, neste tipo de sociedade, um profundo respeito com suas crianças, porque nas aldeias, nenhuma criança é abandonada, passa fome, sofre maus-tratos, ou qualquer tipo de invasão indevida de seus corpos. Que a mulher indígena também é moralmente muito protegida e que é uma sociedade que tem na base de sua estrutura a solidariedade.

E por fim, pipoca e guaraná adoçaram seus sentidos.

Desta forma acreditamos que, em meio a gargalhadas, piruetas, dança e tudo o mais foram plantadas sementinhas de conscientização de que outras sociedades, além da nossa, têm outros valores e constroem outros mundos que não só aqueles que até então conhecemos; e que o respeito à diversidade deva ser um dos mais importantes valores cultivados. Esperamos que bons frutos floresçam. Plantamos e regamos sempre. Faz parte da nossa missão e acima de tudo da nossa alegria.

Na ocasião recebemos as visitas de Cristiana Coutinho e Márcia Andrade, representantes da Caixa Econômica Federal, cujo Programa de Apoio ao Patrimônio Cultural Brasileiro – Caixa Cultural (Edital 2016), patrocina o Projeto Modernização do Instituto de Arqueologia Brasileira-IAB e ampara eventos como esse. Saiba mais aqui.

Ainda participaram da comemoração os jovens que se encontravam em pleno processo de seleção para o Projeto Pesquisador Curumim, cujos pleiteantes a uma das oito vagas vislumbraram uma futura vivência com este tipo de experiência; bem como Rafael Jacaúna, recém-contratado, professor de História e futuro coordenador da equipe.

 

Agradecemos, em especial, ao indígena Doethyró pela sua tranquilidade e esforço no sentido de transmitir valores tão importantes herdados de sua cultura, fundamentais na formação destes pequenos.

Para iniciados que ora são na vida estudantil pela rede pública de ensino, cidadãos alijados do olhar generoso do Estado e que gozam de pouquíssimas oportunidades de participação em eventos desta natureza, torna-se quase uma dádiva esta doação.

Uma vez a Comunidade carecendo de quase todo tipo de assistência social e cultural e, desta forma, estabelecendo-se tal status-quo de inanição cultural, restam à escola e ao IAB, com o possível, minimizarem o caos.

Que as sementes então plantadas possam germinar em algum momento na trajetória de suas existências e promoverem ações de respeito e união entre todos.

Agradecemos a toda equipe do IAB, sempre coesa e responsável, pela sucesso na realização de mais esta atividade baseada no pilar da divulgação do patrimônio genético e cultural brasileiro.

Equipe: Ondemar Dias  – Jandira Neto – Rhuam Souza – Cida Gomes – William Cruz – Diego Lacerda – Antonia Neto – Soledade Neto –  – Sérgio Serva – Marcos de Souza – Marilda de Souza – Alessandro da Silva – Geovani Dionísio – Aldeci dos Santos – Anselmo dos Santos e José Neto e Thiago Silva (ambos amigos do IAB).

Texto: Antonia Neto

Fotos: Antonia Neto, Diego Lacerda e Rhuam Souza

Coordenação: Jandira Neto

Diretor-Presidente: Ondemar Dias

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