Por Marcelle Mandarino (Arqueóloga Coordenadora da Pesquisa)
Habitado por nativos tamoios, a área em tela tem ocupação colonial ainda no período quinhentista com o início da dispersão da população pelos baixios da área central do Rio de Janeiro, principalmente como ponto de passagem para os colonizadores que se direcionavam ao engenho de açúcar d’El Rei, localizado na atual Lagoa Rodrigo de Freitas.
As chácaras e olarias implantadas a partir do século 17, cederam, já no segundo reinado, de acordo com Gerson, 2000, lugar a ricas mansões: “… nela – na rua do Catete – se ergueram, para residência de fidalgos e abastados comerciantes…”. Nesse período o bairro passou a ser servido por linhas de bonde de tração animal, que foram eletrificadas em 1892.
O Antigo Palácio Nova Friburgo, atual Palácio do Catete e seu jardim, foi erguido nesse contexto entre as décadas de 1850 e 1860, como projeto do alemão Carl Friedrich Gustav Waehneldt, no alargamento da rua do Catete.
No ano de 1897 a sede da República se instala no edifício, que passa a ser conhecido como Palácio do Catete. Por conseguinte, profundas mudanças de ambiente e identidade ocorrem no entorno do prédio, com políticos instalando-se em hotéis e residências no bairro. Alguns dos edifícios da área, como o Hotel dos Estrangeiros (atualmente Condomínio do Edifício Simon Bolívar), localizado na Rua Barão do Flamengo, tornaram-se sede de importantes articulações políticas.
O Rio de Janeiro, Capital da República, reuniu no bairro do Catete o centro das decisões do país e, por conseguinte, o que colocava seu entorno como um dos mais atrativos do país à época. Sua ocupação ocorreu de modo gradativo, reunindo diversas tipologias de edificação e de influências estilísticas. Posteriormente, com a transferência da capital para Brasília, o bairro sofreu marcado esvaziamento.
Toda cidade é formada por camadas diversas (temporais, sociais, simbólicas), e é comum preservar bairros com seus edifícios antigos, mantendo as formas arquitetônicas características da época em que foram construídos. No caso do Rio de Janeiro, as épocas se misturam no contexto urbano, fazendo com que expressões arquitetônicas de estilos e tempos diversos convivam lado a lado.
A cada novo momento de organização social determinado pelo processo de evolução diferenciada das estruturas que a compõem, a sociedade conhece então um movimento importante. E o mesmo acontece com o espaço.
Assim, o desenvolvimento da Pesquisa Arqueológica nos jardins do Palácio do Catete, em função das obras de infraestrutura do Museu do Folclore, adjacente ao mesmo, tem por objetivo permitir o conhecimento de uma parte da cidade literalmente escondida sob seus pés.
A Arqueologia é, por essência, a Ciência da Cultura Material. Seus métodos e técnicas permitem o desenvolvimento de abordagens em que os vestígios materiais, muitas vezes escondidos sob o solo, podem recuperar seus significados revelando aspectos outrora esquecidos.
Nesse sentido, durante as obras de instalação de uma nova rede de esgoto, aos 75 centímetros de profundidade, foi evidenciada uma estrutura com ladrilhos hidráulicos.
Verificou-se que tais ladrilhos eram idênticos aos do hall de entrada do Museu da República, fabricados pela a empresa inglesa Minton Hollins & Co. , de Stoke Upon-Trent, com disposição dos motivos decorativos semelhantes, mas com algumas falhas nos padrões, o que pode demonstrar reutilização de restos construtivos do edifício principal.
Uma das hipóteses aventadas, de acordo com análises de documentos relacionados à etapas de construção do Jardim, é de que a área se trate de uma construção relacionada aos cavalos pertencentes à Presidência da República. Tal informação pode ser ratificada através da planta desenhada pelo arquiteto Aarão Reis, responsável pela elaboração do projeto de modernização do jardim para receber os presidentes da recente República. Nessa planta, há a indicação de uma área denominada aquexxxxlamento do Piquete próxima ao local no qual o piso foi identificado.
A caracterização da estrutura a ser realizada poderá fornecer novas informações sobre espaço de modo que seja permitido avançar ou refutar na hipótese de uso e construção do espaço.
A pesquisa é desenvolvida pelo Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), com promoção da rede Windsor Hotéis e apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A equipe do IAB é formada pelas Arqueólogas Marcelle Mandarino, coordenadora, e a Arqueóloga Beth Modesti Simões, de campo.